A origem do ano bissexto
O próximo ano de 2012 será bissexto. Em nosso calendário,
chamado Gregoriano, os anos comuns têm 365 dias e os anos bissextos têm um dia
a mais, totalizando 366 dias. Esta informação praticamente todo mundo sabe, mas
o entendimento sobre o funcionamento dos anos bissextos ainda é recheado de
dúvidas na cabeça de muita gente.
Muitas “regras populares” foram criadas para calcular
anos bissextos, do tipo:
“Todos os anos que sejam múltiplos de 4 mas que não sejam
múltiplos de 100 (terminem em 00) são bissextos”.
Mas será que isto está correto? E o ano 2000, que foi
bissexto e contrariou a regra acima?
Bom, neste caso é necessário adicionar um “detalhe” à
regra, que ficaria assim:
“Todos os anos que sejam múltiplos de 4 mas que não sejam
múltiplos de 100, com exceção daqueles que são múltiplos de 400, são
bissextos”.
Ah, agora sim! Mas por quê? Quem inventou esta regra? Por
qual motivo? Com base em quê foi criada?
A origem do ano
bissexto
Em 238 a .C.,
em Alexandria no Egito, durante a monarquia helenística de Ptolomeu III (246-222 a .C.), foi decretada a
adição de 1 dia a cada 4 anos para compensar a diferença que existia entre o
ano do calendário, com duração de 365 dias e o ano solar (em astronomia chamado
de ano astronômico sazonal) com duração aproximada de 365,25 dias, ou seja, de
365 dias + 6 horas.
Com este excesso anual de 6 horas, que após 4 anos
completa 24 horas, 1 dia extra deveria ser acrescentado ao calendário oficial,
a cada 4 anos, para evitar os deslocamentos das datas que marcavam o início das
estações.
A programação das épocas de semeaduras e colheitas eram baseadas no calendário das estações. Qualquer discrepância neste calendário afetava a agricultura, que era base da economia dos povos antigos. Lamentavelmente, esta tentativa de reformulação do calendário não teve a aceitação necessária e as discrepâncias permaneceram na contagem dos dias.
A programação das épocas de semeaduras e colheitas eram baseadas no calendário das estações. Qualquer discrepância neste calendário afetava a agricultura, que era base da economia dos povos antigos. Lamentavelmente, esta tentativa de reformulação do calendário não teve a aceitação necessária e as discrepâncias permaneceram na contagem dos dias.
Quase 200 anos depois, em 46 a .C. (que naquela época era
chamado ano 708 da fundação de Roma), o imperador romano Júlio César (102-44 a .C.), retomando as idéias
helenísticas, resolveu intervir no sistema de contagem do calendário, para
corrigir mais de 3 meses de desvios acumulados até então e criou o “Calendário
Juliano” que evitaria novos erros. Para elaborar esta tarefa, trouxe de
Alexandria o astrônomo grego Sosígenes (90-?? a.C.) para auxiliá-lo e, entre
outras modificações, decretou que:
- O ano de 46
a .C teria 445 dias de duração, para corrigir os desvios
acumulados até então.
- Os anos teriam 365 dias e haveria 1 ano bissexto a cada
4 anos a partir de 45 a .C
(que também seria bissexto).
- Seria deslocado o início do ano romano de 1o. de Março
para 1o. de Janeiro, a partir de 45
a .C.
Em função destas modificações, o ano de 46 a .C. ficou conhecido como o
“Ano da Confusão” e apesar dos esforços, os anos bissextos que se seguiram não
foram aplicados corretamente até o ano de 8 d.C, quando então finalmente
passaram a ser regularmente contabilizados de 4 em 4 anos em todos os
calendários. E assim permaneceu por mais de 1500 anos. Assim:
Para o calendário Juliano, o ano possuía: 365 + 1/4 =
365,25 dias.
A origem do nome
bissexto
Algumas pessoas pensam que o ano é bissexto porque tem
dois números 6 na quantidade de dias (366), o que está errado.
No antigo calendário romano, os dias tinham nomes com
base no ciclo lunar e um mês dividia-se em três seções separadas por três dias
fixos: Calendas (lua nova), Nonas (quarto-crescente) e Idus (lua cheia). Os
dias eram designados por números ordinais contados em ordem retrógrada em
relação ao dia fixo subseqüente, algo como o costume que temos em dizer um
horário de 14:45h com sendo “15 para as 3” .
Assim o dia 3 de fevereiro, por exemplo chamava-se
“antediem III Nonas Februarii”, ou seja “três dias antes da Nona de
Fevereiro”.
O dia 24 de fevereiro chamava-se “antediem VI Calendas
Martii” ou “antediem sextum Calendas Martii”, ou seja “sexto dia antes da
Calendas de Março”.
Ao fazer a introdução de mais um dia no ano, Julio César
escolheu o mês de fevereiro, e dentro deste mês escolheu por “fazer um bis” ou
“duplicar” o dia 24, chamando-o de “antediem bis-sextum Calendas Martii”. Daí
surgiu o nome “ bissexto”, que passou a designar o ano que tivesse este dia
suplementar.
Júlio César escolheu o mês de fevereiro para adicionar um
dia porque, além de ser o mês mais curto do ano, com 28 dias, era também o
último mês do ano entre os romanos, que ainda por cima o consideravam como um
mês nefasto. A escolha da duplicação do dia 24, ao invés de se introduzir o
novo dia 29 (como fazemos hoje) se deu por motivos supersticiosos.
Por que a reforma Juliana do calendário não resolveu o
problema em definitivo?
Com o avanço dos instrumentos de medição, percebeu-se
que, apesar da correção quadrienal, o ano Juliano não era preciso, uma vez que
criava um excesso de 11 minutos e 14 segundos (ou seja 0,0078 dia) em relação
ao ano solar. Essa diferença, com o passar do tempo, foi causando implicações
no calendário das estações e nas datas de alguns ritos religiosos.
Como foi resolvida
então a questão?
Em 1582, o Papa Gregório XIII (1502-1585) introduziu uma
reforma no calendário Juliano e criou o “Calendário Gregoriano”. Este
calendário havia sido elaborado, durante vários anos, por uma comissão composta
pelo próprio Papa e vários sábios, entre eles o astrônomo e médico italiano
Aloisius Lilius (1510-1576) e o jesuíta e matemático alemão Cristophorus
Clavius (1537-1612). Essa comissão decidiu o seguinte:
Inicialmente descontaram 10 dias do mês de outubro de 1582 para
corrigir o erro que vinha sendo acumulado até então (neste mês o calendário
saltou do dia 4 para o dia 15) e para acertar o calendário e evitar os futuros
erros, fizeram o seguinte:
Levando-se em conta que a discrepância de um 1 ano
Juliano era de 0,0078 dia a mais que o ano solar, ao final de 1 século o
excesso atingia 0,78 dia, ou seja, aproximadamente 3/4 de dia. Ao final de cada
400 anos haveria, então, uma diferença de aproximadamente 3 dias.
Considerando-se que estes dias excedentes seriam
introduzidos pelos futuros anos bissextos, a solução do problema seria então
eliminar 3 anos bissextos em cada 400, ou seja, a partir de 1582 somente
poderiam existir 97 anos bissextos em cada 400 anos. A engenhosidade para
resolver este problema ficou resolvida assim:
Como os anos bissextos acontecem a cada 4 anos, temos 100
bissextos em cada 400 anos. Para termos 97, bastaria "eliminarmos" 3
anos bissextos. Escolheram-se então retirar, a cada 400 anos, aqueles que são
divisíveis por 100 e manter o único ano que é divisível por 400, ou seja, em um
período de 400 anos temos 4 anos divisíveis por 100 a serem retirados (os
anos 100, 200, 300 e 400 deixariam de ser bissextos) e 1 ano divisível por 400 a ser re-incluído na
lista (no caso próprio ano 400 voltaria a ser bissexto). A “fórmula” do ano
ficaria assim:
365 + 1/4 - 1/100 + 1/400 = 365 +
97/400 dias.
E esta regra do ano bissexto permanece até os dias de
hoje assim intitulada:
“Será bissexto todo ano cujo número seja divisível
por 4 e não divisível por 100, sendo também bissexto os anos divisíveis por 400” .
Assim:
Para o Calendário Gregoriano o ano tem 365 + 97/400 =
365,2425 dias
E será que o problema da contagem do ano bissexto foi
definitivamente resolvido?
Infelizmente não, pois como citei anteriormente, apesar
do calendário Gregoriano ter sido criado para resolver o problema dos
acréscimos causados pelo calendário Juliano, o valor aproximado usado nos
cálculos para este acréscimo (3/4 dia a cada 100 anos ou 0,0075 dia por ano) é
diferente do valor real do acréscimo (0,78 dia a cada 100 anos ou 0,0078 dia
por ano). Isso dá uma diferença de 0,0003 dias por ano, ou seja, a cada 3300
anos teremos, aproximadamente, 1 dia extra que deveria ser retirado.
Assim um ano “moderno” passaria a ter
365 + 1/4 - 1/100 + 1/400 - 1/3300 =
365, 2421969697 dias
Mas não podemos esquecer que, para retirar este dia após
3300 anos, deveríamos fazê-lo a partir do ano de 1582, o que provocaria uma
tremenda novidade para o ano de 4882, pois este não será um ano bissexto (não é
divisível por 4) e ainda deveria “perder” um dia, ficando com 364 dias! Será?
Creio que não...
Na verdade diversas pessoas já propuseram, entre elas o
astrônomo britânico John F. W. Herschel (1792-1871), uma regra diferente para
anos bissextos, ao invés do termo 1/3300 proposto acima, dever-se-ia calcular a
fórmula do ano com o termo 1/4000 (por ser múltiplo de 4), assim o ano ficaria:
365 + 1/4 - 1/100 + 1/400 - 1/4000 =
365 + 969/4000 = 365, 24225 dias
Isso jogaria o famoso “erro” de 1 dia extra para daqui a
mais de 20 mil anos! Mas na verdade esta regra nunca foi aceita e hoje não
existe oficialmente nenhuma regra para ano bissextos além daquela que
conhecemos, e que foi instituída pelo calendário Gregoriano em 1582.
Por que não é
possível termos um calendário perfeito?
A busca por um calendário perfeito não terminará nunca,
apesar da precisão dos instrumentos de medida aumentarem constantemente, pois o
máximo que poderemos calcular será sempre um valor médio, já que o período em
que a Terra dá uma volta em torno do Sol não é constante. Em sua longa viagem
pelo espaço em volta do Sol, o nosso planeta sofre pequenas alterações de
velocidade, causadas pela influência das forças gravitacionais de outros corpos
celestes. Essas pequenas variações, ao longo de muitos anos, sempre causarão
erros em relação aos nossos calendários “fixos”.
Prof: João Rafael - Matemática
Bibliografia
[1] Artigo “Ano Bissexto”, de Vincenzo Bongiovanni,
publicado na Revista do Professor de Matemática (RPM) nº 20, 1992 – Editada
pela Sociedade Brasileira de Matemática (SBM).
[2] Nota científica sobre “Anos Bissextos”, publicada no
livro “Anuário de Astronomia” de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, 1996 -
Editora Bertrand Brasil.
[3] Documento “Frequently Asked Questions about
Calendars”, mantido por Claus Tøndering - Disponível na Internet em
[http://www.tondering.dk/claus/calendar.html].
[4] Livro: “Fim de Milênio–Uma história dos calendários,
profecias e catástrofes cósmicas”, por Betília Leite e Othon Winter – Ed. Jorge
Zahar Editor, 1999.
[5] Livro: “Calendário–A epopéia da humanidade para
determinar um ano verdadeiro e exato”, por David Ewong Duncas – Ed. Ediouro,
1999.
Nenhum comentário:
Postar um comentário